A pessoa está aparentemente bem e treinou para a maratona. Aí, durante a prova, tem uma parada cardíaca e precisa ser socorrida às pressas – e às vezes o pior acontece. Casos de morte súbita por parada cardíaca em corridas de rua são razoavelmente raros, mas possíveis. O médico do esporte da Care Club Caio Senise da Care Club Ipanema alerta sobre a frequência destes acontecimentos e explica no texto abaixo qual é a melhor maneira de evitá-los:
“Os benefícios da prática de exercício físico regular são maiores que os riscos que ela oferece, como lesões musculoesqueléticas, distúrbios de eletrólitos, infarto, arritmias. Além disso, o sedentarismo, uma pandemia global, traz ainda mais riscos à saúde. Portanto, a recomendação das principais associações médicas norte-americanas (American Heart Association e American College of Sports Medicine) é não criar barreiras para eliminar o sedentarismo. Ou seja, pessoas sem qualquer doença ou uso de medicamento, assintomáticas, podem iniciar um exercício de leve intensidade, como a caminhada.
Correr, no entanto, não é um exercício de baixa intensidade, pelo contrário. Em exercícios vigorosos, ocorre um aumento transitório (durante e até cerca de 1 hora após) do risco de eventos cardiovasculares, como infarto, arritmia e morte súbita cardíaca, principalmente em pessoas sedentárias ou com alguma doença prévia. Este risco diminui ao longo do tempo, com a prática regular do exercício, o que na comunidade médica é chamado de “paradoxo do exercício”.
Dados oficiais mostram um baixo número de eventos cardiovasculares em corridas de rua. Porém, é importante ressaltar que estes números, em sua maioria, são referentes apenas aos casos de morte súbita (por paradas cardíacas – PCR), podendo haver mais casos de infarto não atendidos pela equipe médica local, pois ocorrem após a prova.
De 1981 a 2006, na Maratona de Londres, houve 2,5 PCRs a cada 100 mil inscritos (14 casos no total). Nos Estados Unidos (maratonas Marine Corps e Twin Cities), de 1982 a 2009, foram 2,8 PCRs a cada 100 mil corredores (14 no total). Na prova Two Oceans, na África do Sul, onde as distâncias chegam a 56 km, este número é um pouco maior – 4,6 a cada 100 mil corredores. A grande maioria é decorrente de doenças do coração.
O número de complicações médicas consideradas de maior gravidade (dor torácica, infarto, hipertermia, hiponatremia, entre outros) é maior. Em Baltimore, foram 47 e, na Two Oceans, de 56 para cada 100 mil inscritos, durante três anos.
A maioria das provas grandes não exige atestado médico para inscrição, por ser inviável. Mas um grupo de pesquisadores sul-africanos criou um questionário pré-participação utilizado internacionalmente para todos participantes da Two Oceans. Resultados positivos orientavam para a necessidade de uma consulta médica. Dos 15.778 que responderam, 16.8% precisariam ser avaliados por um médico, devido a possíveis problemas cardiovasculares. Nos três anos seguintes, houve uma redução de 64% em problemas médicos de maior gravidade na prova, podendo a queda ser decorrente da avaliação médica prévia.
Os números indicam a enorme importância da avaliação médica antes do início de um programa de corrida – e ela vai muito além da avaliação cardiovascular. Deve ser feita uma consulta médica para mensurar riscos cardiovasculares, musculoesqueléticos, aptidão inicial e a necessidade de algum tipo de exame complementar, como eletrocardiograma, teste ergométrico ou ergoespirométrico, exames de sangue, de imagem, avaliação da corrida, entre outros.
Prepare-se, treine corretamente (de preferência sob orientação de um profissional especializado) e respeite sempre o seu corpo – dores ou outros sintomas devem ser sinal de alerta para uma consulta. Esta é a receita para seguir correndo por muitos e muitos anos.